sábado, 27 de março de 2010

MAIMUNA

Nota prévia
Este texto funciona como uma leitura ampla da prática artística de Maimuna Adam (Maputo, 1984).
Ao mesmo tempo é uma tentativa de interpelação/interacção com a artista, provocando-a para dentro de um processo de crítica e análise do seu próprio trabalho.
Resulta de conversas com Maimuna, de a ouvir e ler, de ver os seus trabalhos, e da admissão de que o que fazemos e escrevemos são fases de um processo em viagem, que admite transições, incertezas e mutações.


A maioria das peças desenvolvidas por Maimuna até hoje, foram-no em resposta a projectos escolares, no âmbito dos seus cursos na Suazilândia e Pretória.
O interesse que pode ter uma análise deste corpo de trabalho reside em dois aspectos: 1) – na capacidade de Maimuna dar resposta aos projectos que lhe são propostos, e nesse processo definir um conjunto de questões que lhe parecem ser pertinentes desenvolver;  2) – na qualidade plástica que desenvolve ao longo dos anos de estudo, associada à construção de uma perspectiva do papel da sua prática para si, e por relação com a prática artística dos outros. Em suma, analisar o que pode ser considerado a fase embrionária de uma consciência de identidade enquanto artista.
Partirei de algumas das suas obras desenvolvidas nesse periodo para me prolongar na sua relação com as agora apresentadas em “Ocupações temporárias 20.10”.
- “The Travelling dress” (2008), serve para testar a ideia de que a transitoriedade construída por Maimuna entre a pintura e a fotografia se relaciona com questões de permeabilidade e transmutação, talvez até mesmo  da possível coexistência de múltiplas identidades; assim como para apresentar e aprofundar a relação de Maimuna com a sua identidade, história, memórias pessoais e passado nacional.
O vestido que surge nesta obra é a recriação, através de memórias indirectas, de um vestido que foi de Maimuna quando criança. Na memória dos que viram Maimuna partir para a Suécia com sua familia, ficou uma criança que não queria embarcar no avião sem levar o seu vestido moçambicano.
Maimuna tornou o vestido um símbolo de viagem, de passado que não alcança mas que lhe pertence.
O conhecimento indirecto do passado, e sobretudo de eventos históricos de Moçambique (colonialismo, independência, guerra civil) é para a artista problemático, e sucessivamente incorporado como modus operandis de grande parte da sua prática artística. Acaba por lidar com a questão da “ignorância” utilizando-se, ao seu corpo, às suas memórias e ao que lhe pertence (o que lhe é mais íntimo e reconhecido, e que  auto-retrata, fotografa, desenha e filma), numa tentativa de criar vínculos com questões que, apesar de distantes, também são dela.

- Ilustrações do conto de Mia Couto “O embondeiro que sonhava pássaros”, em que desenha e pinta sobre uma harmónica de folhas de papel, retirando à narrativa o seu lado ordenado. Sem numeração de páginas acabamos por fazer escolhas aleatórias de imagens, criando a nossa ordem para o conto. A narrativa solta-se do autor e das palavras, e agora somente vive enquanto imagem.
Também interessante neste trabalho é a descoberta, por Maimuna, de que em contextos diferentes os textos/obras de arte podem ganhar diferentes significados. Quando leu este conto em inglês, finalmente percebeu porque apelidam o escritor de magic-realist. De facto, em inglês Maimuna leu esse realismo fantástico; o que não acontece quando lê Mia Couto em português de Moçambique, porque o mundo que ele descreve e as histórias que conta são, nesta língua, parte da realidade quotidiana moçambicana. Em inglês deixam de o ser...

Proponho um diálogo entre estas duas peça e os desenhos e vídeo que estão a ser realizados para o projecto “Ocupações Temporários 20.10”, que Maimuna irá apresentar na Livraria Minerva, Maputo.
No vídeo vemos folhas de 'papel' a serem mexidas por mãos. O 'papel' acaba por se tornar autonómo das mãos e através da acção da encadernação vai-se auto-construindo em livro. Se no início vemos mãos e excertos de braços a manusear o papel, uma progressão de transparências leva-nos a presenciar o 'papel' como “ser autónomo” de qualquer manufactor, da palavra e do escritor.
Na obra  “O embondeiro que sonhava pássaros” tinhamos uma desconstrução da ideia de narrativa, neste vídeo presenciamos, entre outras coisas, o questionamento da ideia de autoria e autonomia da obra de arte e processo artístico.

Sobre os desenhos para a Minerva, Maimuna escreveu: “As imagens tratam de narrativas que propositadamente podem ser lidas separadamente ou em conjunto – são as ideias de mistura de realidades e a intertextualidade que se dá entre livro, leitor, autor e outros livros; a ideia de juntar histórias que são paralelas, opostas, em conflito, etc. O trabalho questiona o 'papel' em suas diferentes formas: o conteúdo dos livros (letras/tinta sobre papel), o papel (reciclado) como elemento frágil e também como elemento com 'passado' que junta varias 'histórias', e claro, o questionamento do papel que os livros têm na (minha) história...” (email, Fevereiro de 2010).
Podemos encontrar aqui a confluência de questões que têm vindo a interessar a artista: narrativas, mistura de realidades e histórias conflituosas, o passado e a sua história/existência pessoal. Estas são temáticas que pertencem à artista, a Maputo e ao mundo. São, desse modo, temas internacionais, globais e locais, do foro do intímo e do privado, do partilhado e do público. Através de Maimuna ganham mais um momento de reflexão, filtrado por experiências pessoais e pelo intimismo respeitante ao sujeito, e  constituem-se na potência autoral da obra desta jovem artista.
 Inês Costa Dias
Fotografia/Photo: Filipe Branquinho


Vídeo Francisco Campos

sexta-feira, 26 de março de 2010

ANDALUCIA

Hotel Escola Andalucia
Av. Patrice Lumumba - Maputo

O Hotel Aviz, propriedade de um português, abriu em 1946.
Era um hotel importante da cidade, com o seu Café de Paris, a piscina, salões, vários pianos, e os seus quartos com vista para a baía.

Sem nunca deixar de ser um hotel, após a independência de Moçambique foi dirigido por uma comissão de gestão.

Em 1984, com o apoio da Cooperação Espanhola, foi reabilitado e transformado num Hotel Escola, adoptando a actual designação.

É propriedade do Estado Moçambicano e a sua gestão está a cargo do INATUR.



Fotografias/Photos: Filipe Branquinho



quinta-feira, 25 de março de 2010

OLHO/EYE



O olho e o olhar de Mauro Pinto

A fotografia é uma forma de comunicação, uma linguagem de leitura universal tendo ao longo do tempo apoiado a nossa memória, quer individual quer colectiva, assumindo uma importância vital na evolução das artes e ganhando por mérito próprio um lugar entre elas.
O trabalho de Mauro Pinto é resultado de uma forte referência da tradição do fotojornalismo Moçambicano e da sua tradução para uma linguagem contemporânea, reinventando consigo novos formalismos e temáticas. Há uma clara dualidade no seu trabalho, entre a continuidade de nos mostrar os alertas sociais que se apresentam ao seu redor e o rompimento de uma dialéctica de leitura directa, experimentando, sem preconceitos, novas soluções estéticas e conceptualmente mais complexas. O seu trabalho assume uma dicotomia entre o regional e o global, entre norte e sul, entre a abundância e a escassez. Mauro Pinto é um fotógrafo comprometido com um olhar de alerta do seu tempo. Representa a resistência de um contexto periférico e a coragem da inevitável afirmação de um olhar original em circuitos regionais e inter-continentais, afirmando-se como um fotógrafo de contrastes e de forte dinamismo social
tem no seu trabalho uma boa base para o entendimento de diferenças e semelhanças entre várias culturas. Com resultados formais mais ou menos complexos o seu espaço como comunicador de imagens já ultrapassa claramente o retrato do seu meio, estando no entanto bem evidente ao longo da sua obra, apresentando uma linguagem universal cada vez mais equilibrada, firme e lúcida.
Mauro Pinto tem vindo a posicionar-se entre as referências Nacionais no contexto fotográfico, tendo ainda um largo espaço de evolução, afirma-se como um dos obreiros da nova fotografia Moçambicana

António Vergílio

Fotografia/Photo: Filipe Branquinho

ABERTURA/OPENING (IV)




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terça-feira, 23 de março de 2010

de PARIS/from PARIS

De Paris

Foi com grande prazer que aceitei escrever algumas linhas de introdução para esta exposição, a pedido de Elisa Santos.Aliás, devo confessar que esta é para mim uma oportunidade de confrontar-me de novo com a criação artística moçambicana e de encorajar os jovens artistas na cena de arte contemporânea do vosso país.

Após quatro anos maravilhosos passados em Maputo, é possível fazer uma retrospecção. Evidentemente, devo reconhecer que a minha estadia foi curta demais para ter a pretensão de conhecer bem o trabalho artístico de um oute doutro; irei até mais longe afirmando categoricamente que é impossível ter uma ideia exacta e definitiva da realidade da criação artística em Maputo, em Moçambique, em tão pouco tempo. Apesar disso, o que posso afirmar sem equívoco, é que no domínio da arte há uma verdadeira vitalidade em Maputo. Faço votos para que novos rebentos apareçam e comecem até a desabrochar ao lado destas plantas luxuriantes que são os grandes mestres moçambicanos como Malangatana e Reinata Sadimba, sem esquecer aqueles cujo desparecimento físico é motivo de lamentação tcomo Ricardo Rangel, Alberto Chissano e Zandamela.

Doravante, a arte africana contemporânea tem um lugar no firmamento da arte contemporânea.É deste modo que este ano, pela primeira vez, a feira “ArtsParis+guest” cujo comissariado está a cargo do Suiço Lorenzo Rudolph, acolherá de 18 a 20 de Março uma sala de exposições designada “Afriques” na qual serão apresentadas obras de artistas de cerca de 15 países da África sub-sahariana, entre as quais figuram duas obras de Gonçalo Mabunda.

Artistas de quase todos os países do continente, especialmente da África austral estão presentes nas exposições e feiras internacionais do mundo inteiro. Alguns ocupam um lugar de destaque no mercado de arte ao mesmo nível que os artistas Europeus, Norte-Americanos, Chineses e outros, sem porém atingir o nível de venda das vedetas do Norte ou do Oriente.

Não restam dúvidas que os artistas Sul Africanos são os mais numerosos do continente a expor na Europa, na América e noutros lugares, o que não significa que sejam os únicos artistas africanos presentes; metaforicamente falando, podem ser considerados como locomotivas de toda criação contemporânea de África. Não obstante, a originalidade e a diversidade da criação moçambicana dão-lhe uma verdadeira legitimidade ao nível continental e um lugar de destaque na cena internacional.

Durante a minha estadia em Maputo, sempre acreditei que existia uma singularidade de raíz na expressão artística moçambicana enaltecida, por um lado, pela recente história do país, por outro, pela história mais antiga através das culturas ancestrais ainda muito visíveis presentemente. São estas raízes profundas e as políticas culturais adoptadas logo após a independência em nome da unidade nacional, que deram esta originalidade e esta força à expressão artística de Moçambique.

Senão vejamos, como explicar o nascimento da escola moçambicana de fotografia sem referir-se à boa vontade política que permitiu ao Ricardo Rangel fundar o seu centro e formar uma nova geração de fotógrafos dentre os quais figura Mauro Pinto?

Como explicar o sucesso das esculturas de Gonçalo Mabunda sem evocar as recentes guerras que abalaram esta região e a vontade dos políticos de virar a página deste período trágico exaltando a cultura de paz?

Como explicar a presença dos jovens artistas tais como Lourenço Dinis Pinto e Celestino Mudaulane sem evocar o fantástico trabalho realizado pela escola de Artes visuais?

À semelhança de um Gemuce e dos membros do colectivo Muvart, os artistas moçambicanos são doravante conhecidos e recnonhecidos pelos seus homólogos do continente. Estão presentes em todas grandes manifestações realizadas em África, na Europa e nos outros cantos do muundo, com uma dimensão internacional.

Além disso, gostaria de sublinhar a importância da presença de mulheres-artistas em todas manifestações; a representação, a sensibilidade e as qualidades destas em tanto que criadoras confere-lhes um lugar legítimo de destaque e necessário no mundo da arte contemporânea. Sendo assim, endereço os meus melhores cumprimentos, calorosos e respeitosos à Maimuna Adam.

Voltando à exposição em destaque, acho que é uma ideia muito pertinente, “manchar” o espaço urbano apresentando algumas obras destes seis artistas em seis lugares diferentes da cidade de Maputo. Como dizia o artista francês Claude Lévêque, “é preciso colocar a arte onde ela é indispensável, isto é, por toda parte”.

Na medida do possível, é fundamental ir ao encontro do público e fazer com que haja um verdadeiro encontro entre o criador e o cidadão. A obra de Arte existe graças ao génio do seu criador, mas também graças ao olhar do espectador: “são os observadores que fazem os quadros” Marcel Duchamp.

Tenho apenas uma lamentação a apresentar: a de não poder estar entre vós e partilhar este momento de emoção visitando esta magnífica exposição.

Jean-Michel Champault


Fotografias/Photos Filipe Branquinho

domingo, 21 de março de 2010

de MAPUTO/from MAPUTO

OCUPAÇÕES  temporárias 20.10
Exactamente como o título indica, esta exposição define-se pela ocupação temporária de um determinado espaço,  ou de um conjunto de espaços,  com obras de arte contemporânea.  A presença de obras artísticas nestes espaços não formais, ou territórios com vocação de lugares públicos dar-lhes-á outro tipo de visibilidade e poderá potenciá-los como lugares iconográficos e simbólicos  na história da cidade de Maputo.

Conceptualmente, esta proposta visa permitir uma nova leitura de obras e de espaços. É uma abertura ao olhar do cidadão que é convidado a visitar e a ocupar  áreas, mais ou menos reservadas, que estão fora do seu roteiro diário de vivência da cidade, apesar de serem locais “conhecidos”.  Da mesma forma, pretende-se favorecer o contacto do público com a arte, neste caso, com a arte de artistas moçambicanos , “entidade” tantas vezes mencionada nos discursos diários mas que, habitualmente, se expõe em locais reservados, “fora de mão”.

As ocupações, propositadamente,   optaram por não efectuar alterações do espaço físico onde ocorrem. Não há lugar para o derrube de paredes ou a construção de estruturas. Há contudo a intenção de “perturbar” o espaço público: o espaço público físico através da presença das obras de arte e o espaço público de opinião e de discussão através das temáticas que cada artista aborda.

Pensada como uma rota pela cidade, numa evocação às rotas do “Chapa”, a exposição contém seis exposições. Pode começar-se por qualquer uma delas, fazer o percurso todo ou apenas parte, dividi-lo em diferentes etapas ou cumprir tudo de uma vez.

A ironia do título da ocupação “Eu quando era o último” de Gonçalo Mabunda mora nos materiais esgotados e rejeitados que o artista ressuscita, regenera e reintegra, exibindo-os num espaço último do Clube Ferroviário, clube de vitórias, onde apenas a condição de ser o vencedor, de ser o primeiro se valoriza.

A banca de Gemuce no Mercado Central tem uma estranha mercadoria. Três peças evocam um “Mercado de prioridades”. Um homem vestido de dinheiro, um porco que carrega todo o consumismo e um frágil peixe de papel colocam as questões do poder, da saúde, da subsistência, da precariedade. Ficam expostas as preocupações como se de um leilão se tratasse. Quem dá mais?

A intervenção de Maimuna Adam remexe com a memória e com as relações que vamos construindo, com os locais e com as coisas que manuseamos diariamente. 
“Papel” é uma instalação vídeo que ocupa a área tecnológica da Minerva Central e é também uma exposição de desenhos da artista, espalhados pela centenária livraria da Baixa de Maputo.

Bem-vindo Welcome Bienvenue, expressão típica da hotelaria, carrega uma demonstração de afecto a quem chega e também o desejo de acolher, de tornar a mais vulgar estadia temporária, num momento tão confortável como se estivesse “em sua casa”. É essa relação, entre o espaço a que se chama casa e a possibilidade de acolher o outro, que Mauro Pinto explora através das fotografias que apresenta no Hotel Escola Andalucia.

Na exposição permanente da Sala Etnografia do Museu de História Natural, encontramos, sem que nos choque,  os desenhos de Pinto. Esta “Etnografia Contemporânea” elimina os intervalos do  tempo e coloca,  lado a lado, o ancestral e o actual, numa narrativa sem sobressaltos, que nos impele à análise crítica dos nossos gestos quotidianos, como se de antiguidades se tratassem.

“Casa Coimbra” é a crónica de uma morte anunciada. O velho estabelecimento da Baixa de Maputo desaparecerá e dará lugar a mais um novo prédio com uma vintena de andares. Ceslestino Mudaulane ocupa uma Ruína na Av. Eduardo Mondlane (junto ao Infantário 1º de Maio) e transforma-a numa obra de arte, prestes a ser demolida, provocando o debate sobre o património e o urbanismo da cidade.

As “Ocupações temporárias 20.10” são seis discursos de seis artistas, escolhendo cada um o sítio mais propício para nos falar do que o perturba mas também do que a sua arte propõe para nos “ocupar”.

E. Santos
Maputo, Março 2010

ABERTURA/OPENING (I)

Sábado de manhã
Baixa de Maputo


Saturday morning
Maputo Down town
"Esta é uma exposição política                             This is a political exhibition"
Elisa Santos, Gonçalo Mabunda, Mauro Pinto, Pinto, Domingos Artur
                                                                                
      




Viagem de comboio      Train city tour

Fotografias/Photos: Sara Espirito Santo